Houve uma época em que o brasileiro passava as noites de domingo em frente à TV assistindo pessoas realizadas (ou frustradas) em um programa de auditório. “Vamos abrir a Porta da Esperança”, dizia o apresentador Silvio Santos, resolvendo por fim o mistério, se aquele sonho de consumo se tornaria ou não realidade. Os telespectadores do SBT escreviam cartas à emissora pedindo de tudo: de um encontro com a cantora Gretchen, a animais de estimação e coisas ainda mais inusitadas. Um homem chegou a pedir fitas VHS de filmes pornográficos – e teve seu apelo atendido.
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Quem tivesse a carta sorteada ficava diante da Porta da Esperança, no quadro exibido dentro do Programa Silvio Santos, entre 1984 e 1996, e que contou com mais de 500 edições.
“Interessante observar que era sempre uma empresa pequena a doar o que era pedido”, relembra Eduardo Neger, cofundador da Neger Telecom, especializada em engenharia de radiofrequência. “Acho que eles não fazem ideia de quantas startups incubaram, sem saber”, complementa, comparado a função do quadro televisivo com a de uma aceleradora.
A Neger participou do Porta do Esperança em janeiro de 1991 e fazia um negócio muitíssimo diferente do seu core business atual: trabalhava com a produção de equipamentos para avicultura. Procurou a produção do programa Silvio Santos depois de conhecer, pela TV, a história do seu Ernesto, um aposentado que vivia em um sítio no interior de São Paulo e chocava os ovos de seu galinheiro dentro de um refrigerador velho.
O seu Ernesto já tinha ido ao programa duas vezes, na tentativa de ganhar uma chocadeira, mas não teve o desejo atendido.
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“Entramos em contato com o SBT para doar a chocadeira, imaginando que teríamos que pagar caro, como anunciantes”, conta Eduardo. Mas a empresa arcou apenas com o custo do equipamento doado e, em troca ganhou cerca de dois minutos em horário nobre na TV para falar do negócio, com direito a imagens da até então pequena fábrica onde as chocadeiras eram produzidas em Campinas, no interior de São Paulo.
É claro que Silvio Santos não perdeu a oportunidade de lançar inúmeros trocadilhos durante a apresentação. “Cabem quantos pintos?”, perguntava o apresentador, enquanto Antonio, pai de Eduardo, tentava se manter sério ao falar sobre as funcionalidades da chocadeira. A partir daquele dia, a empresa familiar, que só vendia localmente, passou a enviar equipamentos para todo o Brasil.
“Foi o nosso divisor de águas. Com a taxa de mortalidade que as empresas têm no Brasil, certamente essa exposição contribuiu para estarmos existindo até hoje”, diz Eduardo, que à época era um adolescente de 17 anos, mas já ajudava nos negócios da família.
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“O telefone começou a tocar na hora em que aparecemos na TV e ficou tocando a madrugada inteira até o dia seguinte, sem parar”. Os Neger chegaram a levar uma bronca da Telesp, que operava a telefonia em São Paulo naquele período. “Os técnicos vieram checar o que estava acontecendo e disseram que o excesso de chamada interurbana em um número só estava dando problema na central”.
Novo rumo nos negócios
O curioso é que, uns cinco anos depois da aparição no Programa Silvio Santos, a Neger migrou o rumo dos negócios justamente para as telecomunicações. Começou a trabalhar com telefonia rural a partir de uma demanda dos clientes que compravam as chocadeiras, mas não tinham telefone em casa para contactar a empresa. A era dos telefones celulares ainda estava no início.
“Depois começamos a trabalhar com antenas e repetidores para melhorar o sinal das áreas rurais. E foi daí que descobrimos que, com algumas alterações, a gente podia ter um bloqueador de sinal também”, explica Eduardo. Essa foi a porta de entrada da Neger para o mercado de defesa.
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A empresa produz bloqueadores de sinal que são utilizados em ao menos 40 presídios brasileiros e virou um negócio paralelo à conectividade rural. Também desenvolveu um dispositivo que detecta e bloqueia drones.
Em 2023, a Neger Telecom obteve receita líquida de R$ 22,01 milhões.
“Obviamente somos muito pequenos perto dos números que essa turma [os grandes players de telecomunicação] tem por aí, mas seguimos saudáveis, dentro do nosso tamanho e proposta”, diz Eduardo. “Nós não entramos na briga das telecomunicações por aplicações de massa, por sabermos que não temos espaço. A gente vai nos nichos”.
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Nessa jornada, a Neger recebeu o apoio financeiro do Finep (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) – que Eduardo chama de “o Sílvio Santo 2” da história da empresa – para o desenvolvimento dos novos produtos.
Evidentemente que, com tanta tecnologia de ponta, não cabia mais espaço para as velhas chocadeiras no negócio. Mas a fábrica do interior de São Paulo, cujas imagens foram exibidas no Porta da Esperança, ainda no começo das operações, é a mesma unidade fabril onde a Neger produz seus equipamentos.
O CNPJ também não mudou. Talvez por isso até hoje aparece um desavisado para relembrar das origens da empresa.
“Às vezes surge alguém que ainda tem uma das nossas chocadeiras e nos liga, pois o telefone da empresa também não mudou”, conta Eduardo. “Outro dia uma funcionária recebeu uma chamada com alguém do outro lado perguntando como se chocava ovo de codorna. Ela desligou pensando que era trote”.
Para não esquecer daquela noite de domingo que deu uma guinada nos negócios, a Neger já mantem há alguns anos em seu site na internet o registro da participação de seu fundador no Porta da Esperança. Lembrança que ficou mais saudosa após a partida de Silvio Santos.