Na mira da equipe econômica, os gastos com benefícios tributários cresceram quase três pontos porcentuais em relação ao PIB num período de 20 anos. Dados que constam no 8º Relatório de Subsídios Tributários, Financeiros e Creditícios do Ministério do Planejamento mostram que a proporção de benefícios tributários em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) saltou de 1,96% em 2003 para 4,78% em 2023.
A Receita Federal, responsável por compilar esses dados, diz que esse aumento compreende mudanças metodológicas e também a criação de benefícios.
Os benefícios tributários custaram R$ 519 bilhões aos cofres públicos no ano passado e o governo vem penando para conseguir frear a prorrogação automática dos subsídios – só neste ano, o Executivo discutiu com o Congresso formas para encerrar a desoneração da folha de pagamentos e o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). Os dois benefícios representaram uma renúncia de R$ 23,5 bilhões em 2023.
O Secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento, Sergio Firpo, afirmou ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) que a desoneração da folha, principal subsídio na mira do governo, exemplifica a dificuldade de revisar esse tipo de gasto: mesmo com evidências da limitação da política pública, ela não é revertida. “Toda vez que um benefício desses é criado – seja tributário, seja financeiro ou creditício – por mais que você monitore, muitas vezes a sua cessação depende de algum critério político, de alguma lei que precisa ser alterada. Essa mudança legal é, do ponto de vista político, muito custosa”, disse.
Para ele, monitorar e avaliar é importante, mas só isso não resolve o problema brasileiro. “É preciso ter um impedimento legal à eternização desses benefícios”, frisou. Os números mostram que o aumento no volume de gastos tributários se deu ao longo dos anos, incluindo os governos petistas. Em 2013, no primeiro governo de Dilma Rousseff, o gasto tributário chegou a 4,11% do PIB – esse patamar nunca mais se reduziu. “Pelo menos desde 2015, em termos de proporção do PIB, os gastos tributários estão ali em torno de 4,5% do PIB. Houve uma variação ao longo do tempo antes, entre 2003 a 2015, que também inclui variações metodológicas”, explicou o secretário.
A Receita explicou que a metodologia de cálculo dos gastos tributários está sempre sendo atualizada e que a elevação de algumas estimativas para alguns benefícios pode ter relação com a mudança tecnológica, como o acesso às notas fiscais eletrônicas. O Fisco também pondera que no período entre 2003 e 2023, houve a criação de benefícios tributários, o que também concorreu para a elevação desse gasto.
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Nos 20 anos analisados nesse relatório, é possível verificar esse avanço com a criação de novos benefícios e como é difícil a sua revisão. O relatório lista ao menos 86 benefícios tributários que representaram algum tipo de renúncia para a União ao longo dessas duas décadas. Em 2003, estavam vigentes 22 benefícios, número que saltou para 60 em 2023.
Na avaliação de Eduardo Diamantino, sócio do Diamantino Advogados Associados, ao longo dos governos petistas houve pressão por redução de carga tributária. Como isso não ocorreu, a benesse setorial veio por meio de regime diferenciado – ele cita as alíquotas zeradas de PIS/Cofins como exemplo.
Sem revisão
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O subsecretário de Gestão, Formulação e Uso de Avaliação de Políticas Públicas da Pasta, Rodrigo Luz, pontua que o Conselho de Monitoramento de Avaliação de Políticas Públicas (Cmap) identifica que, em geral, há problemas de desenho, monitoramento e governança nos benefícios tributários criados. “Quando tentamos fazer um modelo lógico para os subsídios, você percebe que ele já até atingiu os objetivos de médio ou longo prazo e deveria ser extinto. Muitos, principalmente os mais antigos, não têm uma data de término e, quando tem, há dificuldade em encerrar e acabam prorrogados”, avalia.
O tributarista Gustavo Lanna, sócio do GVM Advogados, pontua que é ilusão pensar que o País não mais concederá benefícios e que é preciso atacar o controle dessas renúncias. “Só falam em cortar, mas ninguém fala em aprimorar o controle dos benefícios concedidos”, diz, lembrando que há iniciativas nesse sentido empacadas no Congresso.
Durante a pandemia, o governo incluiu um dispositivo para redução gradual dos benefícios tributários na PEC Emergencial, que viabilizou o pagamento do Auxílio Emergencial. Transformada em emenda constitucional, o dispositivo mirava a redução do patamar dos subsídios para até 2% do PIB em um prazo de oito anos. Na época, a baliza era o resultado de 2020, quando esses gastos representavam 4,32% do PIB.
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Desde então, o número só cresceu. Um projeto de lei, apresentado ainda em 2021, instituiria o Plano de Redução Gradual de Incentivos e Benefícios Federais de Natureza Tributária, para viabilizar essa redução. O texto não avançou, e ainda aguarda parecer do relator na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. Dois deputados já estiveram na função: Julio Cesar (PSD-PI), em 2021, e Sidney Leite (PSD-AM), a partir de 2023.
“A emenda constitucional trata do regramento sobre a instituição e renovação dos subsídios. Avançar com essa lei complementar seria fundamental”, defende Leonardo Mello, da equipe técnica do Planejamento e que participou da elaboração do relatório. Ele lembra que essa lei traria critérios objetivos, com metas de desempenho e procedimentos para a concessão dos benefícios, regras para avaliação periódica e o plano de redução gradual.