As mais recentes críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao chefe do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, na véspera do anúncio da manutenção da taxa básica de juros (Selic) em 10,5% ao ano, respingaram naquele que vem sendo apontado como o principal nome da oposição nas eleições de 2026 – caso o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que hoje está inelegível, não possa mesmo participar do pleito.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi mencionado explicitamente por Lula quando o petista disse que o comandante da autoridade monetária não demonstra “nenhuma capacidade de autonomia” e tem “lado político”. Lula criticou o fato de Campos Neto ter aceitado o convite para participar de um jantar em sua homenagem oferecido por Tarcísio, no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, no último dia 10.

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“Não é que ele encontrou com Tarcísio em uma festa. A festa foi para ele, foi homenagem do governo de São Paulo para ele, certamente porque o governador de São Paulo está achando maravilhosa a taxa de juros de 10,5%”, afirmou Lula, em entrevista à Rádio CBN. “A quem esse rapaz [Campos Neto] é submetido? Como ele vai a uma festa em São Paulo, quase assumindo candidatura a um cargo no governo de São Paulo?”, indagou o presidente da República.

Um dia depois, Tarcísio rebateu as declarações de Lula. “Não vou nem comentar isso. Não vale a pena. [Lula] Está viajando”, disse o governador, na quarta-feira (19). “Resolvi fazer um jantar para o meu amigo Roberto, com poucos amigos, gente do meu convívio, que trabalhou junto no governo [Bolsonaro]. Tenho muito orgulho da amizade com ele e isso não tem absolutamente nada a ver com política”, afirmou.

Ao distribuir seus ataques entre Campos Neto e Tarcísio, catapultando o governador de São Paulo e ex-ministro da Infraestrutura de Bolsonaro ao centro do ringue político-eleitoral, Lula jogou água no moinho de um potencial adversário nas urnas. Nos últimos meses, embora diga publicamente que não pensa na sucessão do petista, Tarcísio tem se aproximado de políticos, empresários, agentes do mercado e até de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e parece confortável ao vestir o figurino de possível candidato ao Palácio do Planalto.

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Em maio, o governador paulista foi recebido pelo apresentador Luciano Huck, da TV Globo, em um jantar restrito a cerca de 15 convidados – entre os quais o próprio Campos Neto. No início de junho, durante encontro com investidores em São Paulo (SP), Tarcísio surpreendeu ao fazer um aceno à ex-presidente Dilma Rousseff (PT), de cujo governo fez parte quando foi diretor no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), entre 2011 e 2015. “Ela sempre foi muito respeitosa comigo e eu com ela. E deu muito certo”, elogiou.

Enquanto Tarcísio tenta ampliar seu arco de apoio para além do bolsonarismo, aliados dizem que o governador vem trabalhando em prol de Bolsonaro, nos bastidores, junto a ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do STF. Embora a chance de retomada de elegibilidade do ex-presidente seja considerada por muitos praticamente nula, Tarcísio estaria encampando a tese de que uma eventual prisão de Bolsonaro poderia causar um terremoto político no país, acirrando ainda mais a polarização. O político teria conversado com o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes antes da manifestação pró-Bolsonaro na Avenida Paulista, em fevereiro, assegurando que não haveria ataques à Corte. O ex-presidente, de fato, foi mais comedido na ocasião.

Núcleo duro do bolsonarismo reage

Tanto os afagos de Tarcísio a Campos Neto quanto o jantar com Huck e a aproximação com o Supremo causaram incômodo no chamado “núcleo duro” do bolsonarismo, que enxerga na movimentação do governador de São Paulo uma tentativa de se “descolar” do padrinho político e tentar se cacifar ao Planalto. Bolsonaro e seu circuito mais próximo ainda alimentam a esperança de que o ex-presidente, que está inelegível até 2030 por decisão do TSE, possa concorrer à sucessão de Lula em 2026, em uma reviravolta jurídica que hoje parece altamente improvável.

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Em entrevista recente ao jornal O Globo, o pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e amigo de Bolsonaro, bateu duro em Tarcísio. “A inelegibilidade de Bolsonaro é extremamente frágil e não acredito que o TSE irá mantê-la. Não tem que se falar nada sobre quem vai substituir Bolsonaro. Ninguém vai. Quando é que você viu uma declaração do governador falando que é absurdo? Eu não vi Tarcísio falar isso”, afirmou. Dias depois, o governador respondeu: “Um pastor me descascou porque disse que quero substituir o Bolsonaro. O cara não me conhece”.

Nas redes sociais, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, publicou, em 10 de junho, uma mensagem enigmática na qual criticou a suposta tentativa de setores da direita de “substituir” Bolsonaro na liderança desse campo – fazendo coro à tese de Malafaia. “É um movimento que quer substituir o outro pisando na cabeça dos que se doaram e se doam para que, inclusive, eles chegassem até aqui”, escreveu, sem citar nomes. “Isso não é direita, isso é oportunismo barato de quem não tem humildade. É cristalino e triste. Todos poderiam crescer e o Brasil agradeceria. Entretanto, essa estratégia suja não é digna de quem tem caráter para substituir. Trata-se somente de se colocar no jogo e ser aceito pelo sistema. Simples e baixo.”

Para completar a série de recados do bolsonarismo, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto, em declaração veiculada nas inserções do partido na TV desde o último sábado (15), disse que a escolha do nome para disputar a eleição em 2026 caberá exclusivamente a Bolsonaro. “Nós queremos o Bolsonaro candidato a presidente do Brasil pelo PL. Agora, se ele não for, quem decide quem vai ser o candidato a presidente é o Bolsonaro. Quem decide quem vai ser o candidato a vice-presidente é o Bolsonaro”, afirmou.

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Em meio ao descontentamento de alguns dos principais expoentes do “bolsonarismo raiz”, Tarcísio reafirmou o apoio a Bolsonaro durante evento promovido pela Esfera Brasil, no Guarujá (SP), em 8 de junho. “A primeira pergunta que temos que saber é o que é ser bolsonarista. Eu sou bolsonarista, vou continuar sendo bolsonarista”, assegurou o governador. “Isso significa que sou conservador, liberal, e acredito em um Brasil que vai ter economia de mercado, um Brasil que vai aproveitar seu potencial, que vai fazer a transição energética”, disse. Uma semana antes, em Campinas (SP), Bolsonaro havia classificado Tarcísio como “o melhor governador que São Paulo já teve”, dizendo que o pupilo “tem um grande futuro político pela frente”.

“Tarcísio precisa ampliar seu eleitorado. Se ele ficar restrito ao bolsonarismo, não vai ganhar a eleição. Em 2022, tivemos uma disputa muito apertada. Portanto, se alguém tiver a capacidade de conquistar o eleitor de centro, tem grandes chances de ganhar em 2026. O país continua absolutamente dividido”, explica Bruno Soller, especialista em comunicação política pela George Washington University.

“Tarcísio está correto nessa estratégia. E, convenhamos, é melhor para ele que desagrade a uma parcela do bolsonarismo, que na hora ‘H’ não votará no Lula em hipótese alguma, do que não conseguir conquistar os votos de que precisa para vencer a eleição. Ele tem de fazer esses movimentos para fora, justamente para mostrar que é mais amplo e menos sectário que o Bolsonaro”, analisa Soller.

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Para Carlos Eduardo Borenstein, analista político da consultoria Arko Advice, Tarcísio tenta se equilibrar sobre uma linha tênue entre o apoio do bolsonarismo e a busca por um eleitor mais moderado – mas deve agir com cautela para não se indispor com o ex-presidente. “Os líderes que tiveram algum tipo de rompimento com o Bolsonaro se deram mal. Se Tarcísio, eventualmente, acabar sendo o candidato desse campo político em 2026, deve buscar ser um nome ungido pelo Bolsonaro, e não alguém que briga com o ex-presidente”, afirma.

Kleber Carrilho, professor e pesquisador em Ciência Política na Universidade de Helsinque (Finlândia), entende que o maior desafio do governador de São Paulo será mobilizar o eleitorado. “Tarcísio se equilibra nessa equação e tenta ser um bolsonarista mais moderado, que pode ser mais bem aceito pela classe média. Mas é complexo manter o pé nesses dois lados”, diz. “O problema dele não vai ser conquistar o voto bolsonarista, mas fazer a mobilização. Não acredito que o Tarcísio tenha, neste momento, uma grande capacidade de mobilizar esses eleitores, como Bolsonaro faz, inclusive nas redes sociais.”

A encruzilhada de Tarcísio

Apesar da maré favorável em torno de seu nome para a disputa da Presidência, um dilema se impõe ao governador de São Paulo sobre o melhor caminho a seguir nas próximas eleições. Ainda experimentando seu primeiro mandato no Palácio dos Bandeirantes, ostentando bons índices de aprovação, Tarcísio pode se candidatar à reeleição daqui a 2 anos e tentar o Planalto apenas em 2030, evitando um confronto direto com Lula – que já admite concorrer novamente em 2026.

Desafeto de Bolsonaro, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab (PSD), secretário estadual de Governo e Relações Institucionais e um dos principais aliados de Tarcísio, integra a corrente dos que defendem que o governador tente a reeleição. “Sem dúvida, é o caminho mais seguro. Mas é preciso analisar o que pode acontecer até 2026. O que tem motivado, muito provavelmente, a se ensaiar essa candidatura é justamente a fragilidade do governo Lula. Se o governo estivesse em melhor situação, esse plano do Tarcísio de se lançar apenas em 2030 estaria praticamente consolidado. Mas estão sentindo que podem ganhar. Talvez esse seja o combustível necessário para o lançamento da candidatura. Se a gestão de Lula não melhorar daqui até as decisões eleitorais de 2026, o Tarcísio pode, de fato, ser candidato à Presidência da República e até com chances reais”, afirma Soller.

“Também é importante ter em mente que o Kassab tem seus projetos particulares. Existe uma frente que defende que o Kassab seja o vice do Tarcísio em uma eventual candidatura à reeleição em São Paulo. Se isso ocorrer e o Tarcísio for reeleito governador e, depois, candidato a presidente em 2030, o Kassab herdará o governo do estado de São Paulo”, explica o analista.

Segundo Carlos Eduardo Borenstein, da Arko Advice, Tarcísio tem um leque de possibilidades e não precisa precipitar escolhas. “Quando olhamos para o cardápio que se abre, hoje, para o Tarcísio, é evidente que ele tem uma situação política bastante confortável. É claro que ainda falta muito para 2026, mas hoje ele seria um candidato muito forte à reeleição em São Paulo, possivelmente o favorito. E, por outro lado, também tem essa possibilidade de disputar o Planalto”, aponta.

Borenstein também avalia que concorrer à reeleição em São Paulo seria a alternativa menos arriscada para o governador. “Lula ainda tem uma aprovação superior à reprovação e teria a máquina do governo sob seu controle. O presidente seria um candidato competitivo”, avalia. “Se o Tarcísio busca uma segurança, do ponto de vista político, certamente disputar a reeleição para o governo de São Paulo seria mais fácil, pelo menos segundo o cenário de hoje.”

Independentemente da escolha que vier a fazer, Tarcísio espera contar com um aliado em nível municipal. Por isso, tem se engajado na pré-campanha do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), apoiado por Bolsonaro. Na quarta-feira (19), o governador recebeu o prefeito e o ex-coronel da Polícia Militar Ricardo Mello Araújo (PL) em um jantar no Palácio dos Bandeirantes. Indicado por Bolsonaro, Mello Araújo foi anunciado como pré-candidato a vice na chapa de Nunes na última sexta-feira (21).

“Tarcísio me parece muito focado no pleito de outubro. Ele tem sido um dos protagonistas da construção da candidatura do Ricardo Nunes à reeleição. Para Tarcísio, é muito importante que Nunes se reeleja e que ele tenha um aliado na prefeitura”, observa Borenstein. “Se o [Guilherme] Boulos [do PSOL] ganhar essa eleição, Tarcísio passaria a ter um adversário na prefeitura de São Paulo e um eventual obstáculo para uma candidatura do próprio Tarcísio ao segundo mandato como governador.”