Domingo, 5 de maio. Estou em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, em meio ao caos do pior desastre climático da história do estado.
No momento em que escrevo, grande parte da região metropolitana está inundada, 70% da cidade está sem fornecimento de água, diversos bairros não têm energia elétrica – e uma operação de guerra foi montada para resgatar as vítimas da enchente.
As águas das fortes chuvas que transbordaram rios e destruíram cidades inteiras no interior gaúcho durante a semana passada chegaram à capital e desaguaram no lago Guaíba a partir de sexta-feira (3).
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O lago que banha a capital encheu e alcançou a altura recorde de 5,32 metros na madrugada de domingo. A marca anterior era de 4,76 metros, registrada em uma enchente histórica em 1941.
O Cais do Porto – que em março foi o palco do South Summit, um evento de inovação – foi engolido pelas águas e desapareceu. Cartões postais da cidade, como o Mercado Público, a Casa de Cultura Mario Quintana e a orla do Guaíba – só são acessíveis de barco.
“A cheia foi tão grande que chegou a 50 metros do apartamento dos meus pais, que moram em um bairro a 1 quilômetro de distância do Guaíba”
As cenas de drones mostrando a cidade alagada, que viralizaram nas redes sociais, não dão a dimensão do impacto no cotidiano da cidade. Neste domingo, segundo o prefeito Sebastião Melo, 70% da capital está sem água. O desabastecimento ocorre porque quatro das seis estações de tratamento estão inundadas e sem energia elétrica.
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Meu bairro está entre os afetados. Por aqui, enchi panelas, baldes e bacias, já que o abastecimento só deve voltar quando as águas do Guaíba retrocederem.
Além da falta de água, o centro da cidade e bairros adjacentes à inundação estão sem energia elétrica desde sexta-feira (3). A CEEE Equatorial, distribuidora de energia elétrica, anunciou o desligamento da rede por motivo de segurança
A falta de água e energia elétrica fez milhares de porto-alegrenses correrem aos mercados para tentar estocar produtos essenciais. Em dois próximos da minha casa, água mineral, ovos e papel higiênico já estavam esgotados.
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Aqui, estamos ilhados. Para sair de Porto Alegre ou chegar à cidade de forma segura, há apenas duas estradas transitáveis, segundo as autoridades: a RS-118 ou RS-040. As outras vias estão alagadas ou danificadas.
O aeroporto está com as operações suspensas após a pista ter inundado. A rodoviária e os trilhos do sistema de trens intermunicipais estão embaixo da água.
Para além do caos
Em meio à tragédia, algo se destacou mais do que o caos: a solidariedade. Fiquei emocionando nos pontos de coleta da Defesa Civil em que levei doações e colchões, e surpreso com a quantidade de voluntários trabalhando. Centenas de pessoas comuns sensibilizadas pelo sofrimento do outro.
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Os voluntários não estão só nos abrigos ou pontos de coleta. Há muita gente utilizando seus próprios barcos, botes e jet-skis para resgatar vítimas nos locais mais afetados pela enchente. A adesão foi tamanha que a prefeitura de Porto Alegre encerrou o cadastro de voluntários neste domingo – foram mais de 15 mil inscritos. Afirmo categoricamente: sem os voluntários, o enfrentamento da tragédia teria sido muito pior.
O sofrimento, no entanto, está longe de acabar. Milhares de pessoas seguem ilhadas em telhados e precisam ser resgatadas na região metropolitana. O nível do Guaíba ainda está em torno de 5,30 metros – e, segundo especialistas, só deve baixar se não houver chuvas fortes nos próximos dias.
Essa é a esperança. Até lá, vamos cuidar uns dos outros e ajudar quem mais precisa.