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O setor de seguros está incendiando casas, e está fazendo isso apenas para deixar claro seu ponto de vista.

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Os incêndios são controlados, e são realizados em um laboratório de pesquisa ou em instalações de treinamento utilizadas pelos bombeiros. Eles são projetados para simular as condições que permitem que os incêndios florestais se espalhem pelos bairros, causando o que as seguradoras chamam de “evento de conflagração”, como o que matou 102 pessoas e destruiu a cidade de Lahaina, em Maui, no Havaí, em agosto passado.
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A mensagem que está sendo passada para as construtoras é dura: em certas regiões dos Estados Unidos, as casas deverão ser construídas de forma a levar em consideração possíveis incêndios florestais; caso contrário, provavelmente não serão seguradas, o que impediria a compra por meio de hipotecas.

Devido, em parte, às mudanças climáticas e ao aumento de tempestades e incêndios catastróficos, em algumas regiões do país seguros residenciais passaram a ser uma proposta financeiramente inviável para o setor de seguros. Segundo a AM Best, uma agência de classificação do setor, nos Estados Unidos, em 2023 as seguradoras tiveram um prejuízo de US$ 33 bilhões em apólices de seguros pessoais, residenciais e de automóveis.

Dan Dunmoyer, presidente-executivo da California Building Industry Association, no local de uma demonstração de queima em uma feira comercial em Anaheim, Califórnia, em 19 de junho de 2024. Dunmoyer disse que o custo do seguro está desacelerando a expansão de alguns empreendimentos residenciais . (Philip Cheung/The New York Times)

Na Califórnia, onde os incêndios consumiram mais de 220 mil acres de terra apenas neste ano, grandes seguradoras como a State Farm, a Allstate e a Farmers recuaram. Em algumas áreas, pararam de emitir apólices novas e cancelaram algumas já em vigor. Este mês, a State Farm solicitou ao regulador de seguros da Califórnia que aprovasse um aumento de 30% nas taxas de apólices de seguros residenciais emitidas para imóveis ocupados pelos proprietários que a empresa ainda oferece no estado.

“Sempre tivemos seguros, era algo que simplesmente existia, era integrado aos nossos processos diários, como obter hipotecas,” disse Josh Wilkins, bombeiro aposentado de Idaho que hoje presta serviços de consultoria para seguradoras e proprietários de imóveis sobre como reduzir o risco de incêndios. Mas “esse modelo de negócios está morrendo”, disse. “Os usuários finais – os clientes de seguros – terão que tomar medidas para garantir a viabilidade do modelo de negócios.”

Esse “algo” pode ser a maior revisão dos padrões de construção em mais de 30 anos. Depois que o furacão Andrew devastou parte do sul da Flórida, em 1992, a pressão imposta pelo setor de seguros obrigou os proprietários e construtores do estado a passar a utilizar janelas e amarrações de telhado reforçados. Agora, o setor está impondo um tipo de pressão semelhante em resposta ao crescente risco de incêndios florestais.

À frente desse esforço está o Insurance Institute for Business & Home Safety (IBHS, Instituto de Seguros para Segurança Empresarial e Residencial), que conta com o apoio de mais de 100 seguradoras. O IBHS está defendendo novos padrões para paisagismo, cercas e materiais de construção que, segundo o instituto, podem ajudar a evitar que um incêndio florestal destrua um bairro. Também está realizando demonstrações de queimadas feitas uma do lado da outra, comparando os projetos e materiais resistentes ao fogo com estruturas mais tradicionais.

A demonstração mais recente ocorreu em junho, na Pacific Coast Builders Conference, uma feira comercial realizada em Anaheim, Califórnia, onde se reuniram construtores de toda a Costa Oeste. Em um terreno de concreto utilizado como campo de treinamento por bombeiros e equipes de emergência médica locais, duas estruturas recém-construídas de um único cômodo estavam posicionadas lado a lado.

Uma demonstração de queima, com o prédio à direita construído com materiais e recursos resistentes ao fogo, conduzida pelo Insurance Institute for Business & Home Safety durante uma feira comercial em Anaheim, Califórnia, em 19 de junho de 2024. As seguradoras de propriedade estão tentando forçar mudanças nos padrões de construção que eles dizem serem necessárias para proteger contra incêndios florestais. (Philip Cheung/The New York Times)

A estrutura resistente a incêndios florestais tinha um “fosso” de pavimento de um metro e meio ao seu redor. De um lado, havia uma cerca feita de metal não inflamável que imitava madeira, e a casa estava equipada com coberturas de proteção para impedir que brasas entrassem nas aberturas de ventilação do telhado e nos beirais.

A três metros dela, a outra estrutura era cercada por arbustos e palha, algo parecido com uma casa típica em vários subúrbios do país. Ela tinha uma cerca de madeira de um lado.

Os novos padrões funcionaram conforme anunciado: depois do incêndio iniciado pelos bombeiros, tudo o que restou da estrutura construída convencionalmente foi uma única tábua fumegante. Já a estrutura resistente ao fogo permaneceu intocada.

As seguradoras não apenas incentivam os construtores de novos empreendimentos a adotarem os padrões, mas também querem que os proprietários adaptem suas casas conforme as especificações de resistência a incêndios florestais. Está sendo solicitado que os proprietários cortem as árvores, arranquem arbustos, troquem janelas e calhas, removam decks e cercas de madeira e os reconstruam com materiais de metal, pedra ou outros produtos não inflamáveis.

Através do IBHS, os proprietários podem solicitar que inspetores certifiquem a eficácia de seus esforços de modernização. Essa certificação pode ajudar a reduzir suas contas de seguro. Estados como a Califórnia e o Oregon têm suas próprias exigências recém-adotadas sobre a forma como casas e construções precisam ser reparadas para garantir proteção contra incêndios florestais, mas elas não são tão rigorosas como as normas do IBHS.

Os reguladores têm o poder de aprovar ou negar as taxas de apólices das seguradoras e de impedir que obtenham lucros excessivos. Mas se as seguradoras decidirem deixar uma área, os reguladores serão praticamente impotentes para impedi-las de fazer isso. Eles não podem forçar as companhias de seguros a emitir apólices.

Segundo Wilkins, o consultor de Idaho, as seguradoras estão buscando reduzir o risco de incêndios florestais em 20% antes de considerarem retornar a uma região. Para avaliar seu risco, as companhias de seguros estão utilizando poderosos modelos de previsão que sintetizam informações sobre precipitação, vegetação, vento, topografia e atividade humana para fazer análises detalhadas.

Um desses modelos, da empresa de dados e análise CoreLogic, consegue identificar a avaliação de risco dentro de um metro quadrado e focar em uma única estrutura. O modelo utiliza sobreposições de tons codificados por cores em mapas de satélite de uma área que funcionam como semáforo: uma tonalidade verde representa a área de menor risco, enquanto os pontos de maior risco são coloridos de vermelho. As seguradoras empregam esses modelos para decidir quanto cobrar de um proprietário residencial ou empresarial por uma apólice, ou mesmo se devem segurar a estrutura.

Nos últimos anos, o IBHS passou a considerar suas demonstrações de queimadas fundamentais para transmitir sua mensagem. No início, o instituto os realizava em seu laboratório na Carolina do Sul. Um deles, inclusive, foi transmitido ao vivo pelo programa “Good Morning America”. Em setembro, o grupo começou a fazer demonstrações públicas, realizando quatro na Califórnia e uma em Idaho, estados onde o risco de incêndios florestais é elevado.

Não está claro quantos construtores estão acatando a mensagem do setor. O IBHS monitora quantos construtores e proprietários de casas solicitaram sua certificação de resiliência a incêndios florestais, e um porta-voz disse que recentemente houve um aumento nas solicitações. Desde o lançamento do programa de certificação, há dois anos, o grupo recebeu 4,4 mil pedidos e concedeu a certificação a 600 solicitantes.