Em seu mais famoso tango, Carlos Gardel canta que “por una cabeza” perdeu uma aposta na corrida de cavalos (e também descreve seu azar no amor) na Argentina. Nesse esporte, a expressão significa ter a corrida decidida, para o bem ou mal, por muito pouco, quase nada.
No caso de Javier Milei, presidente da Argentina, foi “uma cabeça” que trouxe a vitória magra na aprovação do projeto Lei de Base, que aconteceu na quinta-feira, 13. A iniciativa previa inicialmente uma série de medidas reformistas de desregulamentação econômica e foi adequada para facilitar sua aprovação. É o projeto mais importante do governo do mandatário portenho, que completou seis meses no poder na última quarta-feira.
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Milei seis meses
Ainda que a iniciativa tenha seguido adiante, as mudanças concederam uma vitória “agridoce” ao presidente argentino. Ficou de fora, por exemplo, a privatização de estatais, como as linhas aéreas nacionais e os correios e a previdência.
O JPMorgan destacou, em análise, que mesmo com representação limitada, o presidente garantiu sua vitória. O banco disse ainda que “a ação de pequenos grupos organizados não deve ser interpretada como deterioração da taxa de aprovação de Milei”.
O presidente conta com níveis acima de 55% de aprovação, de acordo com a análise.
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Por outro lado, os dados de inflação, ainda que tenham apresentado redução em maio, seguem pressionando consumidores. A alta em 12 meses já chega a 276,4%.
Além de trazer mais dificuldades para consumidores, a inflação tem sido um dos principais obstáculos para empresas brasileiras que operam na região ou exportam para o país vizinho.
Em meio a tudo isso, afinal, como foram os seis primeiros meses de Milei para as empresas brasileiras?
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Ajustes na maquiagem
A Natura (NTCO3), com desempenho no trimestre impactado por divisão internacional, relatou perdas tanto com variação cambial quanto pela hiperinflação. Nos últimos dados financeiros divulgados, a companhia divulgou R$ 137 milhões em perdas relacionadas à transferência de caixa e R$ 98 milhões relacionados ao cenário macro da Argentina, em prejuízo pela hiperinflação.
A divulgação dos resultados apresenta dados “ex-Argentina”, uma vez que a situação do país vizinho seria um detrator que impediria a observação do desempenho real na América Latina. O cenário na Argentina é “incerto e volátil”, na visão da companhia.
Brinde hiperinflacionado
A AmBev (ABEV3) ressalta os impactos da contabilidade hiperinflacionária em seus resultados. Para mitigar os efeitos para fins de apresentação de dados consolidados, a companhia optou por limitar o avanço de preços a 2% ao ano, para consideração de definição de crescimento orgânico de receita líquida.
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O balanço divulgado contou com norma diversa por considerar o país como “altamente inflacionário” de acordo com o padrão internacional de contabilidade IFRS. Além disso, as indústrias da AmBev seguem em declínio no país e a desvalorização cambial portenha também foi responsável por reduzir o lucro líquido ajustado.
Bens de capital favorecidos
A Randoncorp (RAPT3), que já antecipava dificuldades na operação no país, apresentou no quarto trimestre de 2023 receita prejudicada pela desvalorização cambial na Argentina. No primeiro trimestre deste ano, no entanto, o país vizinho figura positivamente no balanço.
A companhia cita, no relatório de divulgação, o resultado financeiro beneficiado pela correção monetária das controladas situadas na Argentina. Na categoria de semirreboques, contudo, o mercado da América Latina é visto em desaceleração e corresponsável, juntamente com os EUA, pela queda no mercado externo.
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Enquanto isso, no setor, a Marcopolo (POMO3) cita queda de volumes na subsidiária portenha dentre seus dados do primeiro trimestre. Além disso, o lucro bruto da companhia sofreu impacto negativo pela controlada argentina Metalsur, que apresentou resultado negativo de R$ 7,9 milhões.
O dado reflete baixo volume e receita, em um cenário demais operações internacionais da Marcopolo apresentam trajetória de recuperação. Mesmo assim, ao observar resultado líquido, a Metalsur trouxe resultado financeiro positivo, de acordo com o balanço, associado à atualização monetária por hiperinflação no país.
“A operação foi ajustada para um cenário de menor demanda e aguarda o retorno dos clientes, que acumulam anos de sub renovação. Tanto a controlada Metalsur como a coligada Metalpar, passam mensalmente por um processo de atualização monetária dos balanços em função da hiperinflação, o que acaba por influenciar os resultados de ambas”, explica a Marcopolo, em nota sobre os dados do primeiro trimestre.
Calçados esperando “el dia que me quieras”
As exportações brasileiras de calçados para a Argentina caíram, entre janeiro e maio, tanto em volume quanto em valor, de acordo com dados mais recentes da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados).
O país é o segundo principal destino dos calçados brasileiros, apenas atrás dos Estados Unidos, e apresentou exportação de 3,9 milhões de pares e US$ 79,68 milhões, quedas de 40,6% e 25,3% respectivamente (na comparação anual).
“São dois dos nossos principais destinos. Na América Latina, onde estão outros dos nossos principais parceiros, o mercado também está instável economicamente. Além desses fatores, temos a já conhecida concorrência com os produtores asiáticos, que normalizaram suas entregas após a baixa do preço do frete internacional. Será um ano difícil para as exportações de calçados”, comenta o presidente-executivo da associação, Haroldo Ferreira.
A Vulcabrás (VULC3), que tem na Argentina seu principal destino de exportações, apresentou volume de exportações para o país distante do patamar regular, com queda de 25,5% na comparação com o primeiro trimestre de 2023. No balanço do 1T24, a companhia cita a retração de vendas no país portenho como uma das responsáveis pela queda na receita de mercado externo.
“Mesmo retomando as exportações para o país, as dificuldades no consumo interno e as restrições quanto a remessa de dólares para o exterior, fazem com que o volume de negócios com a Argentina permaneçam bem distantes do seu pleno potencial”, afirmou a companhia do setor de calçados, em seu relatório de resultados.
Já a Grendene (GRND3) citou queda dos embarques em diversos países da América Latina no balanço do primeiro trimestre. A tendência já se fazia presente no trimestre anterior. Por isso, a menção no relatório à Argentina destaca que o país “continua sofrendo com a crise política e econômica”.
Três anos de quedas para têxteis
O setor têxtil brasileiro segue esperando melhoras nas exportações para a Argentina, que caem há três anos, de acordo com dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit).
Todos os segmentos, com exceção de confecções, sofreram diminuição nas exportações para o país, segundo estudo elaborado para o InfoMoney.
Exportação de têxtil e confecção do Brasil à Argentina (em US$ 1.000)
Variação (%) | |||
Jan-Mai 2023 | Jan-Mai 2024 | Jan-Mai 2024/2023 | |
Total Geral | 102.525 | 74.459 | -27,37 |
1. Fibras Têxteis | 11.047 | 10.478 | -5,15 |
2. Fios | 4.157 | 923 | -77,80 |
3. Filamentos | 14.861 | 8.124 | -45,33 |
4. Tecidos | 25.583 | 13.686 | -46,51 |
5. Linhas de Costura | 1.772 | 919 | -48,15 |
6. Confecções | 7.527 | 11.202 | 48,83 |
7. Outras Manufaturas | 37.578 | 29.127 | -22,49 |
“Especificamente, nos primeiros cinco meses de 2024, em comparação com o mesmo período de 2023, registramos uma redução de -27% nas exportações totais do setor Têxtil e de Confeccionados. Além disso, ao compararmos os números deste ano com os do início de 2022, identificamos uma queda de -42%”, afirma o estudo.
Por fim, o relatório também destaca que houve queda de 27% nas importações mundiais de têxteis e confeccionados pela Argentina em comparação com o mesmo período de 2023. ” Isso evidencia o impacto direto na relação comercial bilateral entre os dois países”, diz a associação.