A abertura do testamento de Olavo de Carvalho, morto aos 74 anos em 2022, levantou algumas dúvidas sobre questões sucessórias entre os brasileiros. Isso porque o guru do bolsonarismo fez questão de excluir a filha, Heloísa de Carvalho, de sua herança, por ela ter posicionamento político contrário ao do pai.

A relação entre pai e filha sempre foi conflituosa, chegando a ataques públicos mútuos e até ações na Justiça. Pai de oito filhos, Carvalho estava casado havia 20 anos com Roxane de Carvalho, com quem teve dois deles. Para a esposa, ele garantiu os direitos sobre as duas residências nos Estados Unidos, no estado de Virginia, e mais 30% sobre os direitos autorais de suas obras.

Os dois filhos do casal, Leilah e Pedro Luiz, ficaram com fatias maiores que a dos demais irmãos, com percentuais sobre as residências e 20% dos direitos autorais dos trabalhos do pai para cada um, de acordo com a coluna de Ancelmo Gois, do jornal O Globo.

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Com acesso exclusivo aos documentos, a reportagem mostrou que os demais filhos ficarão apenas com pequenas frações das possíveis receitas sobre as produções de Olvao de Carvalho. Maria Inês ficará com 0,5%; Luiz, com 0,3%; Davi, com 0,3%; Tales, com 0,3%; e Percival, com 0,3%. Além disso, Olavo ainda deixou outros 0,3% dos direitos para seu irmão, Luiz Paulo de Carvalho.

Mas o que mais chamou atenção na decisão de Olavo de Carvalho sobre a exclusão da filha no testamento. Sem bens no Brasil e morando nos Estados Unidos há anos, Olavo firmou em 2018 seu testamento conforme as regras da Justiça norte-americana. Mas a filha Heloísa questionou a Justiça brasileira para ser inventariante do espólio do pai, pedido que é contestado pela viúva.

O que diz a lei?

De forma geral, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) determina que a sucessão por morte deve obedecer a lei do país onde o falecido está domiciliado, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens, de acordo com a advogada Julia Moreira, sócia de Família e Sucessões, Planejamento Sucessório do PLKC advogados.

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“Se ele morava nos Estados Unidos, de fato, o país terá a competência para a fazer a sucessão. Porém, a existência de herdeiros brasileiros implica em conflito”, explica.

Isso porque, pela lei brasileira, herdeiros necessários, como filhos, não podem ser excluídos da sucessão. Ao menos que haja motivos de indignidade, como ocorreu com Suzane Von Richthofen, que foi condenada pelo assassinato dos próprios pais.

“Um herdeiro brasileiro, em tese, não poderia ser excluído da sucessão de seu pai meramente por vontade dele. Mas, se o Olavo era residente nos Estados Unidos, onde foi aberto o inventário, inexistindo bens no Brasil a serem partilhados, ele poderá excluir a herdeira, por uma questão de soberania da lei americana em relação à brasileira”, explica.

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A advogada Laísa Santos, especialista em Planejamento Patrimonial e Sucessório, também concorda. “O ordenamento jurídico brasileiro preza pelo princípio da pluralidade de juízos sucessórios, o que significa que os bens deixados pelo autor da herança [falecido] serão processados pela Justiça do país onde está situado cada bem. Assim, o Brasil não tem competência para decidir sobre a transmissão sucessória de bens situados fora”, afirma.

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Entenda

O artigo 1.785 do Código Civil determina que a sucessão será aberta no último domicílio do falecido. Nos termos da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), em seu artigo 10º, o inventário deve seguir a lei do país que o falecido morava, independentemente da sua nacionalidade ou da natureza e da situação dos bens.

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Sendo assim, a partir da conjunção desses dispositivos legais, a Justiça brasileira não tem competência para proceder a partilha de bens situados no exterior. “Ainda que a pessoa tenha nacionalidade brasileira, se ela tiver domicílio no exterior e deixou apenas bens no exterior, entendo que a lei que regerá a sucessão será a do seu país de domicílio”, diz Laísa.

O testamento de Olavo de Carvalho, nesses termos, é válido, pois a lei da Virginia autoriza que a pessoa disponha em testamento sobre a divisão de sua herança da forma que preferir, de acordo com a advogada Juliana Maggi Lima, sócia do DBML Advogados. “Se houver bens no Brasil, aí seria aplicada a lei brasileira, sendo mais favorável à filha, uma vez que aqui os filhos são considerados herdeiros necessários e 50% dos bens são reservados a eles”, disse. No entanto, em relação aos bens no exterior, a filha teria de entrar na Justiça, defendendo a aplicação da lei do Brasil em seu favor. “Mas aí estaremos diante de um conflito de normas internacionais.”

O advogado Mauro Takahashi Mori, sócio de planejamento patrimonial e sucessório do escritório Machado Associados, frisa que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já julgou dois casos importantes sobre o assunto. No Recurso Especial 275.985-SP, o tribunal reconheceu a aplicação do artigo 10 da LINDB na sucessão de pessoa de nacionalidade libanesa domiciliada no Brasil. Já no Recurso Especial 1.362.400-SP, o STJ flexibilizou a interpretação do artigo e decidiu que deveria ser aplicada a lei alemã, no caso de imóvel na Alemanha e com testamento lavrado e judicialmente reconhecido como válido naquele país. “Em ambos os casos, a nacionalidade do falecido não foi elemento determinante para a decisão.”

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De acordo com o advogado Leandro Chiarottino, sócio fundador de Chiarottino e Nicoletti Advogados, especialista em Direito Societário e Planejamento Sucessório, o fato de o autor da herança ter cidadania brasileira ou de o local de residência de um ou mais herdeiros ser o Brasil, não garante a aplicação da lei brasileira.

A lei que rege a interpretação do testamento é aquela vigente no tempo e no local em que foi aberta a sucessão, que no caso de Olavo foi no Estado da Virgínia, nos Estados Unidos, diz a advogada Daniela Rocegalli Rebelato, sócia da área de Família e Sucessões do Marzagão e Balaró Advogados.