Se formos expostos a algo repetidas vezes, parece que ficamos dessensibilizados a quase tudo. Um evento que antes causava choque pode parecer rotineiro; o que antes provocava alarme pode eventualmente inspirar apenas um encolher de ombros.
Como pesquisadora de burnout, às vezes me preocupo com a possibilidade de estarmos nos tornando insensíveis à gravidade dessa síndrome no ambiente de trabalho. Não apenas o número de pessoas que sofrem de burnout é maior do que nunca, mas também evidências recentes mostram que essa síndrome está afetando trabalhadores cada vez mais jovens – e seus efeitos são mais debilitantes. A pesquisa mais recente sobre estresse nos Estados Unidos revela que 67% dos adultos entre 18 e 34 anos dizem que o estresse dificulta sua concentração, 58% descrevem seu estresse diário como “completamente avassalador” e quase metade relata que, na maioria dos dias, seu estresse é tão intenso que são incapazes de funcionar.
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Independentemente da idade, o burnout é uma preocupação urgente. Colaboradores que sofrem de burnout – uma síndrome caracterizada por exaustão, negatividade ou cinismo em relação ao trabalho e baixos níveis de desempenho – são mais propensos a sofrer de distúrbios do sono, doenças cardiovasculares, problemas gastrointestinais, depressão, absenteísmo e insatisfação no trabalho. Sobretudo, trabalhadores esgotados tendem a cometer erros e a serem menos inovadores e produtivos. A Gallup estima que um baixo nível de envolvimento dos colaboradores (um marcador de burnout) custa à economia global US$ 8,8 trilhões, ou 9% do produto interno bruto global.
Talvez o mais chocante disso tudo seja que muito pouco disto de fato seja chocante. Dos 40% dos trabalhadores da Geração Z que acreditam que o burnout seja parte inevitável do sucesso, aos executivos que acreditam que atribuições de alta pressão e “provas de fogo” são um rito de passagem obrigatório, até a cultura de agitação tóxica que cultua estar ocupado como se fosse uma medalha de honra, hoje muitos de nós esperamos que nos sintamos sobrecarregados, estressados e, eventualmente, esgotados no trabalho.
Em meu livro Burnout Immunity (Imunidade ao Burnout, em tradução livre) descrevo como o esgotamento às vezes pode se aproximar de nós de forma tão gradual que não percebemos que entramos em uma zona de perigo até ficarmos doentes, nossa motivação desaparecer ou nosso desempenho despencar. Acredito que um mecanismo semelhante esteja ocorrendo, em escala maior, em todas as culturas de trabalho e até mesmo sociedades. Lentamente, mas de forma constante, à medida que nos esforçamos para atender a demandas que excedem nossos recursos, lidamos com tratamentos injustos ou vemos nossas horas de trabalho ultrapassarem nosso tempo de descanso, o burnout se tornou a nova norma em muitos ambientes de trabalho.
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O ponto ideal do estresse
Como o burnout é causado pela exposição prolongada a condições estressantes no local de trabalho, eliminá-lo totalmente exige mudanças sistêmicas nas condições e culturas organizacionais. Dito isto, existem medidas que trabalhadores individuais podem tomar para ajudar a se proteger e começar a mover sua linha de base pessoal de volta a um ponto de partida saudável. Uma das melhores maneiras que descobri é aprender a maximizar nosso tempo dentro do que é conhecido como janela de tolerância, ou o que passei a chamar de ponto ideal do estresse.
O conceito de janela de tolerância foi desenvolvido inicialmente pelo neurobiólogo e professor de psiquiatria clínica Dan Siegel para descrever uma “zona ideal de excitação” dentro da qual podemos processar e responder melhor às demandas da vida cotidiana. Quando estamos em nossa janela de tolerância, não estamos hiperexcitados (ou seja, superestimulados, muito estressados ou ansiosos) e nem hipoexcitados (ou seja, subestimulados, retraídos ou desligados). Neste “ponto ideal” entre excessivamente acelerado e pouco desafiado, temos acesso às nossas competências de funcionamento executivo, que nos permitem planejar e organizar, regular as nossas emoções e gerir nosso tempo e prioridades. Este estado ideal, explica a psicoterapeuta Linda Graham, é o nosso estado natural e básico de funcionamento fisiológico, quando estamos “ancorados e centrados, sem reagir exageradamente a outras pessoas ou eventos da vida, nem deixar de agir”.
O que Siegel e Graham descrevem é um lugar de regulação e equilíbrio: estamos calmos, mas engajados, relaxados, mas totalmente alertas. Este é o meio-termo que almejamos – o “ponto ideal” onde estamos experimentando estresse suficiente para nos sentirmos energizados e atentos, mas não tanto a ponto de nos sentirmos sobrecarregados e ineficazes. Descobriu-se que níveis baixos a moderados de estresse percebido (o grau em que uma pessoa avalia os eventos de sua vida como estressantes) melhoram a memória de trabalho e a função cognitiva, mas quando uma pessoa ultrapassa o limiar e ingressa em altos níveis de estresse, sua capacidade de lembrar, se concentrar e aprender coisas novas começa a diminuir. Este é o ponto em que o estresse se torna tóxico, o que nos deixa vulneráveis a uma série de problemas físicos, mentais e profissionais, incluindo o burnout. Contudo, sempre que estamos operando no ponto ideal de estresse, onde temos o nível ideal de estimulação, estamos restabelecendo uma linha de base saudável e estamos posicionados de maneira ideal para termos saúde, pensamentos, aprendizados e desempenhos melhores.
É importante lembrar que o ponto ideal de estresse de cada pessoa é diferente, pois cada um de nós tem limites diferentes para o que consideramos estressante e desgastante e para aquilo de que precisamos para nos sentirmos motivados e eficazes. Como saber quando você não está mais no seu ponto ideal de estresse? Às vezes é óbvio, mas estresse tóxico pode surgir de várias maneiras, algumas das quais não tão conhecidas.
Seu corpo pode informá-lo, por exemplo, na forma de tensão muscular, dores de cabeça, insônia, dores de estômago, falta de ar, frequência cardíaca elevada ou adoecimento mais frequente. Seu cérebro pode comunicar isso na forma de ansiedade, negatividade, apatia, dificuldade de concentração ou sensação de descontrole. Seu humor pode alertá-lo através de irritação, impaciência, atitude defensiva ou de uma atitude mais briguenta. Seu comportamento pode lhe indicar isso na forma de decisões erradas, desinteresse, prazos perdidos, evitação, cometimento de mais erros ou desistência silenciosa ou real. Estar fora do seu ponto ideal de estresse pode até aparecer no jeito como você fala. Se você costuma usar palavras como exausto, derrotado, desmoralizado, entorpecido, oprimido, sobrecarregado ou preso para descrever como se sente no trabalho, é provável que esteja na zona de angústia e corre o risco de se esgotar.
Como restabelecer uma linha de base saudável
Quando as pressões aumentam e o seu ambiente de trabalho continua estressante, é ainda mais importante tomar medidas proativas para retornar ao seu ponto ideal de estresse e permanecer lá o máximo que puder. Seguem algumas técnicas que funcionam.
1. Identifique as condições que o mantêm no ponto ideal de estresse
Pense na última vez em que você se sentiu calmo, controlado e totalmente engajado no que estava fazendo. Faça um inventário das condições que lhe permitiram alcançar e manter esse estado. Para a maioria das pessoas, “o básico” sempre estará na lista: sono suficiente, refeições saudáveis e nutritivas, algum tipo de atividade física.
A partir daí, liste todos os apoios ou recursos de que você precisa para permanecer dentro de seu ponto ideal pessoal e pense nos gatilhos que o levariam para a zona de perigo para que possa fazer o melhor para evitá-los. Por exemplo, antes de qualquer reunião importante, uma das participantes do meu estudo reserva a sala de conferências meia hora mais cedo para que possa estar totalmente preparada e sentir-se confortável no espaço, e ela evita cafeína porque sabe que isso a deixará nervosa e ansiosa. Essas técnicas simples a mantêm em seu ponto ideal de estresse enquanto ela conduz a reunião.
O que está na sua lista? Pedir ajuda ou feedback, ligar para um amigo para uma conversa estimulante, praticar exercícios regularmente, planejar com antecedência e conectar-se regularmente com pessoas que elevam seu espírito são boas opções. A lista será diferente para cada pessoa, mas saber o que o leva ao seu ponto ideal (bem como o que o tirará dele) o ajudará a permanecer lá a maior quantidade de tempo possível.
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2. Utilize estratégias de regulação emocional.
A regulação emocional nos permite gerir nossas emoções de forma a permanecermos eficazes e no controle, mesmo em meio a situações de elevado estresse. Uma das melhores maneiras de melhorar essa habilidade inestimável para a vida é começar a praticá-la enquanto você ainda está calmo e regulado. Praticar regularmente meditação da atenção plena, em que você simplesmente observa seus pensamentos e sentimentos sem julgamento à medida que surgem, permite que você se torne menos reativo e desregulado quando chega o estresse elevado ou outras grandes emoções.
Você também pode começar a mudar sua mentalidade ao adotar a resposta desafiadora ao estresse: certifique-se de que qualquer fator estressor que enfrentará é um problema que pode ser resolvido e que qualquer uma das respostas fisiológicas associadas ao estresse elevado – frequência cardíaca elevada e aumento de adrenalina, por exemplo – são as fontes extras de energia e excitação de que precisará para resolver o problema. Quando você está desregulado, respirar profundamente ajuda a rapidamente acalmar um sistema nervoso hiperexcitado, e fazer uma pausa para rotular suas emoções diminui sua intensidade e duração, conduzindo você de volta a um estado de regulação.
3. Priorize a recuperação do trabalho e torne isso um hábito.
Em vez de tratar o tempo distante do trabalho como último recurso a ser utilizado e ainda assim somente depois de você estar sobrecarregado e exausto, siga o exemplo dos atletas profissionais e dê a si mesmo “doses” regulares de recuperação no trabalho. Pesquisadores descobriram que precisamos nos desligar totalmente das demandas do trabalho regularmente para relaxar, recarregar energias e nos recuperar do estresse causado pelo ambiente de trabalho.
Lembre-se de que é o estresse contínuo e implacável que leva ao burnout. Quando interrompemos intencionalmente o ciclo do estresse, ele não tem chance de se tornar crônico e o burnout não se instala. Mesmo as “micropausas” feitas ao longo do dia de trabalho – cinco ou dez minutos para caminhar, conversar socialmente ou se alongar, por exemplo – demonstraram ser eficazes na redução do estresse.
4. Identifique o que você pode mudar para melhor.
A ausência de controle no trabalho, seja ela relacionada ao seu horário, à sua carga de trabalho, ao seu impacto nas decisões que o afetam ou às condições que você precisa para ter o melhor desempenho, é inerentemente estressante e um dos principais contribuintes para o burnout. Ao mesmo tempo, o estresse prolongado e o burnout podem minar qualquer senso de controle ou autonomia que você tenha.
Para interromper esse ciclo vicioso, faça uma lista das coisas que você pode mudar, mesmo que em pequeno grau, e aja de acordo com elas. Talvez você possa redistribuir tarefas entre os membros da equipe, solicitar uma ampliação de prazos ou mais suporte, impor limites em torno do horário de trabalho ou ajustar sua programação da maneira que melhor apoie seu bem-estar e desempenho. Pensar naquilo que você não pode controlar só aumentará seu estresse e dará mais força ao burnout, mas agir de acordo com o que você pode mudar para melhor não apenas melhora sua situação, mas também restaura seu senso de agência e autonomia.
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5. Sobreviva com uma ajudinha de suas conexões sociais
Está bem estabelecido que apoio social tem um efeito amortecedor contra os efeitos negativos do estresse em nossa saúde física e mental. Da mesma forma, ter relações de apoio no trabalho atenua o stress associado às exigências do trabalho e diminui o risco de burnout. Conexões sociais aumentam a nossa resiliência ao estresse e nos fornecem um sistema de apoio que pode nos ajudar a enfrentar situações desafiantes e a gerir o estresse relacionado ao trabalho.
Faça um esforço para entrar em contato com colegas de confiança para fortalecer seu relacionamento e trocar opiniões e estratégias a respeito de como você lida com o estresse. Outras pessoas podem ter experimentado táticas nas quais você não pensou.
6. Reconecte-se com seus valores
Poucas coisas são mais estressantes (e levarão ao burnout mais rapidamente) do que ser esperado que você aja de uma forma que não esteja de acordo com seus valores. Os conflitos de valores são especialmente prejudiciais porque atingem o âmago de quem somos, daquilo em que acreditamos e, muitas vezes, do que consideramos certo e errado.
E não precisa ser uma violação ética flagrante — por exemplo, ser solicitado que você minta para encobrir um erro de um superior — para nos estressar ao ponto de entrarmos na zona de perigo. Às vezes, os conflitos de valores ocorrem porque tentamos agradar aos outros ou sentimos a necessidade de moldar a nossa personalidade à cultura da nossa empresa para nos adaptarmos ou nos destacarmos. O cerne comum é que estamos agindo de uma forma que está em conflito com nosso eu autêntico, o que é inerentemente estressante.
Pergunte a si mesmo: “Que sacrifícios estou fazendo que não estão a serviço dos meus valores?” e “Por quanto tempo mais estou disposto a fazer esses sacrifícios?” Identifique a origem desses conflitos e faça o que for necessário para eliminá-los, e então permaneça conectado aos seus próprios valores fundamentais.
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7. Busque ajuda profissional
Se o burnout se tornou o seu novo normal e você não sabe como retornar a uma linha de base saudável, você chegou a um ponto em que a ajuda profissional de um terapeuta ou coach experiente pode ser o melhor caminho a seguir. Chris Bittinger, especialista em liderança, descobriu que o coaching executivo ajuda a prevenir o burnout, mesmo quando os líderes estão enfrentando estresse moderado a grave relacionado ao trabalho. Além do apoio social contínuo que proporciona, o coaching nos ajuda a desenvolver a autoeficácia, a melhorar nossa inteligência emocional e a melhorar nossa capacidade de resolver problemas para superarmos os fatores de estresse – tudo isto ajuda a proteger contra o burnout.
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Reagir às forças sistêmicas que aproximaram a nossa linha de base coletiva do burnout exigirá o esforço coletivo de muitas pessoas. Mas há muitas coisas que cada um de nós pode fazer nos nossos próprios contextos para evitar que o estresse no local de trabalho entre na zona de perigo e para ajudar a criar ambientes de trabalho saudáveis onde o burnout não possa ganhar terreno.
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Kandi Wiens, EdD, é pesquisadora sênior da Escola de Pós-Graduação em Educação da Universidade da Pensilvânia e autora do livro Burnout Immunity: How Emotional Intelligence Can Help You Build Resilience and Heal Your Relationship with Work (HarperCollins, 2024). Pesquisadora e palestrante de renome nacional sobre burnout, inteligência emocional e resiliência, ela desenvolveu o Burnout Quiz para ajudar as pessoas a entender se correm risco de desenvolver burnout.
HBR: ©.2024 Harvard Business School Publishing Corp./Distribuído por The New York Times Licensing Group